Natação aos 45



Hoje foi minha primeira aula de natação. Por um longo tempo sonhei com ondas gigantes correndo atrás de mim, tsunamis invadindo a cidade, rios transbordando aos meus pés, afogamentos. As águas eram sinais de que minhas emoções também transbordavam. Hoje, me permiti pedir ajuda. Cheguei naquele lugar de autossuficiência plena, já fiz tudo o que podia fazer por mim. Sozinha. Já escalei montanhas internas. Venci medos. Sei que já curei muito minhas águas internas. Quando a coragem avança, o medo recua, como as ondas que andam para trás. Nesta dança, fui mudando também meus limites. 


Mas chegou o dia que preciso saltar nas águas e retirar cada peso que ainda me impede de flutuar. Entrei na piscina como quem chega para uma maratona. Nunca me vi com tanta coragem mesmo sabendo que esta segurança toda é só porque mergulho onde dá pé. Lembro de Clarice Lispector “Não tenho medo de chuvas tempestivas, nem de grandes ventanias soltas, porque eu também sou o escuro da noite.” Depois, ela confessa: “Embora não aguente bem ouvir um assovio no escuro, e passos.”


Essa semana, sonhei que conseguia nadar, mesmo por um curto espaço de água. Eu logo chegava numa plataforma e me segurava. No mesmo dia passei em frente a uma academia. Uma foto enorme de uma pessoa nadando me fez parar. Lembrei do sonho. E entrei. Sem pensar muito, fui parar numa aula experimental de natação. Que profissão bonita é ser professora de natação, é ser uma mestre que ajuda as pessoas tímidas a atravessarem as águas. É ser uma pessoa que salva outras. Uma salvadora.


Começo andando na piscina, como permitir que o corpo e a águas se conheçam. Um cumprimento. “Olá água, sou um corpo um pouco inflexível, com medo de confiar, por isso, muitas vezes, sou uma pedra e não permito que as emoções fluam.” Caminho como quem atravessa oceanos para alcançar a si mesma. E depois dos cumprimentos iniciais, é hora de ensaiar um nado. A professora segura minhas mãos e me instrui a bater os pés, puxar o ar pela boca e soltar pelo nariz com a cabeça dentro da água. Na primeira tentativa, não consegui. Mas com persistência fui melhorando minha respiração debaixo dágua. 


Com o apoio da professora, consegui ensaiar meus primeiros mergulhos na água. Como uma criança aprendendo a andar, precisa que um adulto segure suas mãos. Como aprender a andar de bicicleta, primeiro uma bicicleta com rodinhas. Depois quando estamos prontos, os pais retiram as rodinhas porque já podemos nos equilibrar sozinhos. Quantas vezes já precisei reaprender a andar, nas aulas de balé adulto, aprendi a andar como quem cria poesia com o corpo. Foi um nascimento da bailarina que sempre viveu em mim. Agora, aos 45 anos de idade, eu me permito reaprender a andar, meu chão é feito de água, mas eu não ando, eu fluo.

Não foi uma aula de natação simplesmente. Foi um amparo para minha criança interior. Um cuidado que me permiti. Eu deixei que alguém segurasse minhas mãos, abaixei meus espinhos de porco-espinho. Reconheço a coragem bonita de quando nós deixamos que um mestre nos ajude a atravessar o rio que não conseguimos sozinhos.